EDITORIAL

Lideres com Coração de Servos

Líderes com corações servos: um chamado, uma vocação, uma missão

Stanley Jones, aos 88 anos de idade e enfrentando os problemas decorrentes de um AVC que o deixaram parcialmente paralisado por um tempo, afirmou: “Eu tenho dito frequentemente, em parte em tom de piada, que quando eu chegar ao céu, pedirei 24 horas para ver meus amigos e depois irei até Ele e direi: ‘O Senhor não tem outro mundo em algum lugar, para o qual tenham ido pessoas que precisam de um evangelista como eu? Por favor, mande-me para lá’. Pois não conheço outro céu além de pregar o evangelho às pessoas. Isso é o céu para mim. Tem sido assim, continua a ser e será para sempre. Sat Tal, dezembro de 1972 (JONES, 1995 [1975], p. 116). Este testemunho de um dos mais reconhecidos missionários metodistas destes últimos séculos ecoa nos corações das pessoas que conheceram alguma coisa de sua história. Ele nos mostra um líder em seu papel mais exemplar: inspirando e motivando pessoas.

Temos usado muito o termo líder para falar de pessoas de referência na vida da igreja. É uma palavra contemporânea e até por isso muita gente questiona seu uso. Mas acredito que faça muito mais sentido para as pessoas de hoje do que alguns termos bíblicos para tarefas semelhantes, que hoje soariam mais prepotentes: imagine considerar-me uma das “principais da sinagoga” ou “principais dos fariseus”; talvez ainda “maiorais do templo”. É a mesma coisa: os principais homens e mulheres dos tempos bíblicos são os nossos líderes hoje. Sua tarefa compreende liderar, guiar, inspirar, instrumentalizar, equipar. Não recebemos um chamado de Cristo para fazer outra coisa senão conduzir pessoas à vida plena que Ele oferece e ajudá-las a construir um relacionamento com Ele. Fazemos isso liderando de muitas formas, desde a maneira como preparamos um alimento até à pregação, o estudo ou a ministração de um louvor no culto. Para isso, precisamos do que Stanley Jones nos aponta em sua declaração tão poderosa: um coração faminto por vidas rendidas ao Senhor e transformadas em toda a extensão da sua existência. Gostaria de destacar, à luz do exemplo de Jesus, apenas dois aspectos da importância desse tipo de liderança na nossa igreja hoje:

  1. Uma liderança que serve é uma liderança que ama (João 17): a oração sacerdotal de Jesus é um dos mais poderosos textos sobre relacionamento interpessoal à luz da graça de Deus. Nosso amado mestre faz um relatório a Deus. Nele, Jesus está preocupado com as mesmas coisas que nos desafiam hoje, só que com o olhar espiritual mais aguçado do que o nosso muitas vezes apresenta. Por exemplo: Ele avalia Sua pregação e Seus sermões a partir dos resultados na vida das pessoas: “Eu lhes dei as palavras que Tu me deste e eles têm verdadeiramente conhecido que vim de Ti” (v. 8-9). Ele faz estatística: “Não perdi nenhum dos que me deste, senão o filho da perdição…” (v.12). Ele faz uma autoavaliação objetiva, com a intenção de tornar-se modelo e padrão: “Eu me santifico a mim mesmo para que eles também sejam santificados na verdade…” (v.19). Ele mantém viva a intenção missionária: “Rogo também… por aqueles que hão de crer” (v.20). Jesus consegue fazer tal avaliação ministerial porque é evidente, em toda a oração, Seu compromisso de amor com Seus discípulos e discípulas. Jesus não utiliza, em todo o Seu ministério, de expedientes de cobrar de Seus seguidores e Seguidoras honras, primícias ou benefícios. Ele Se concentra em oferecer-Se e ser o padrão de vida, pensamento e conduta. Por conta do amor, Ele pode chegar a transformar servos em amigos (Jo 15.15). Uma liderança que ama não esconde o “pulo do gato”, mas ensina tudo e anseia que Seus liderados e lideradas façam obras ainda maiores (Jo 14.18).
  2. Uma liderança serva se preocupa com a qualidade do que ensina. A Igreja Metodista sempre se orgulhou de formar pessoas. Nossos membros sabiam bastante de Bíblia e a instrução na vida da igreja sempre foi um ponto forte. Contudo, o mundo vem mudando e corremos o risco de, em nome da pragmática e dos resultados, não ter tempo suficiente investido nas pessoas no que o discipulado realmente é: “andar junto”. Dizem as pessoas entendidas que a maior parte do ministério de Jesus foi passada junto aos discípulos, ensinando. A educação leva tempo. Exige dedicação, esforço. Demanda avaliação e checagem. Muitas vezes, porém, percebemos erros doutrinários, de caráter, de leitura bíblica e de desobediência aos valores inegociáveis da Igreja de Cristo quando aquela pessoa de nossa igreja local se torna missionária, coordenadora de alguma atividade, líder de grupo pequeno ou ingressa na vida pastoral. Os danos são, não raro, irreversíveis. Talvez estejamos com uma pressa errada, que Deus não demandou de nós. É preciso avaliar-nos também como instituição nesse sentido. Jesus comissionou Seus discípulos a várias tarefas antes de enviá-los a todo o mundo. Fez treinamentos práticos de evangelismo, expulsão de demônios, pregação da Palavra. Questionou-os se estavam entendendo tudo muito bem e até ficou desapontado com Filipe, quando este lhe pediu para mostrar-lhe o Pai (Jo 14.8). Não eram meros ensinos acadêmicos, mas um conhecimento revestido de vida, de espiritualidade sadia, de clareza interior na vida com o Pai. Jesus podia fazer isso e nos convida a exercer uma liderança que ensina com qualidade porque ensina com caráter. Não pode haver dissimulação ou pecados ocultos na vida de uma liderança serva, como orgulho ou presunção. Enquanto ministramos, Deus ministra a nós e nos aperfeiçoa. Assim, a doutrina e a vida não são indissociáveis, pois emanam de Deus e da Igreja, comunidade de fé, de serviço e também de tradição e de história, para nós.

Por fim, uma liderança serva é uma liderança comprometida, que dá a vida e ama. Que, assim como Stanley Jones ou o próprio João Wesley, não se incomode com o peso de 88 anos de vida, e não admite impedimentos para amar as pessoas e ir ao encontro dela. Jesus inspirou muita gente a agir assim. Ele vai fazê-lo enquanto houver este mundo. Podemos ser instrumentos que Ele usa para inspirar as pessoas ou podemos sentir que nosso ministério, seja qual for, encerra grande frustração e engodo. A questão crucial é esta: se fazemos para nossa própria glória, isso é um fim em si mesmo. Se é para a glória de Deus, então é esforço, suor, lágrimas, cansaço e novamente inspiração. Porque a gente não pode servir sem essas coisas. Mas também não pode se alegrar com o serviço pronto sem o esforço real de fazê-lo. Deus quer nos dar essa alegria. Por isso nos chama para cooperar com Ele.