EDITORIAL

Vida de Fidelidade

“Porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lucas 12.34)

As pessoas cristãs hoje vivem um estilo de vida distinto daquele modelo radical que Jesus e a Igreja Primitiva viveram. O modo como lidamos com o dinheiro está entre essas diferenças. A teologia da prosperidade trouxe uma noção perigosa e equivocada do acúmulo de riquezas e da necessidade de ostentação para demonstrar que somos pessoas abençoadas. Ao contrário, Jesus e a igreja primitiva viviam uma perspectiva da doação e da liberalidade. As pessoas tinham seus bens pessoais como instrumentos para servir na coletividade. Elas eram generosas e atentas às necessidades. Doavam para os pobres, supriam os famintos, apoiavam as famílias, cuidavam dos doentes, idosos e crianças… era uma igreja a serviço e em estado constante de mordomia dos seus bens.

No entanto, já nos primeiros séculos, vemos que a igreja começou a acumular bens, inclusive institucionalmente. Há igrejas ricas e pessoas pobres. Há pessoas ricas e gente faminta. Embora Jesus tenha dito que os pobres sempre os teríamos conosco, sua fala não foi um ato de conformismo, mas um diagnóstico da realidade humana na desigualdade das riquezas. A igreja deve ser sempre um referencial para a superação das dificuldades econômicas e sociais das pessoas, promovendo seu amplo crescimento, inclusive na educação financeira.

Quando pensamos sobre nossa vida financeira, lembramos que o artigo 24 de nossa confissão de fé diz: “24- Dos bens dos cristãos: As riquezas e os bens dos cristãos não são comuns, quanto ao direito, título e posse dos mesmos, como falsamente apregoam alguns; não obstante, cada um deve dar liberalmente, do que possui, aos pobres.” Isto é: os meus bens são particulares; não sou obrigada por forças externas a ser generosa. Mas movida pela vocação missionária, devo doar dadivosamente quando se me der oportunidade. Isso não apenas para as questões da vida de nossa igreja, mas também para movimentos que achamos serem contributivos para a sociedade e particularmente na vida de pessoas nas quais vemos potenciais diversos.

Quero, portanto, abordar a questão financeira pelo viés de alguns princípios que devem nortear nossa forma de lidar com a grana nossa de cada dia.

1º princípio: Tudo é de Deus

“Teus são os céus, tua a terra; o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste” (Salmo 89.11). Embora estejamos na posse das coisas, elas não são nossas, em absoluto. Prova disso é que morremos e tudo fica aqui. Passamos e nossos bens podem ser consumidos de uma geração para outra. Então, nosso papel é usar da melhor maneira possível aquilo que temos, para que produza a glória de Deus durante o tempo de nossa administração. Só a consciência deste primeiro princípio é um importante removedor de toda a impiedade e egoísmo que nos leva a achar que merecemos o que temos; de que algo é nosso porque é fruto do nosso trabalho ou qualquer outra desculpa que damos para evitar a generosidade. Ou para julgar pessoas mais frágeis financeiramente. Nada é nosso, tudo é de Deus. Somos mordomos e governantas do que Deus nos dá.

2º Princípio: Desapegue-se do mundo

Isso significa que não comprarei nem receberei nada do que eu não possa abrir mão. Se isso me impedir de viver a vida, de ajudar alguém ou me causar excesso de preocupação, então isso é idolatria! Jesus nos adverte: “Então, lhes recomendou: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lucas 12.15). “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Lucas 16.13). Quando alguém entra nessa onda de acumular coisas, de gastar sem planejamento ou de exibir status social, corre o risco de desvincular-se da obra do Espírito e incorrer em graves pecados de acumulação, egoísmo e idolatria, que é colocar outra coisa no lugar de Deus em sua vida. O desapego nos leva à dependência de Deus em todas as coisas e nos prepara tanto para as vacas gordas quanto para as vacas magras da vida, sem murmurar ou maldizer, como bem exemplificou Jó com sua vida.

3º Princípio: Liberdade e segurança

“A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei” (Rm 13.8). “…o que toma emprestado é servo do que empresta” (Provérbios 22.7b). “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam” (Mateus 6.19-20). “Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e, alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão” (1 Timóteo 6.9-11).

Quem vive em função do dinheiro, seja acumulando, seja vivendo de modo desordenado, fica escravo de agiotas, bancos… perde amizades porque empresta e não paga… expõe sua família à perda financeira e à falência. Deus não nos quer mendigando o pão, mas para isso precisamos ser justos – andar com justiça – em todo o nosso proceder. Os versículos acima são cheios de lições preciosas para orientar nossa vida financeira no caminho da liberdade e da segurança de poder entrar e sair com a cabeça erguida em qualquer situação.

4º Princípio: Compaixão e liberalidade

“Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos. Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” (1 João 3.16-18).

Pessoas que submetem suas finanças a Deus não precisam temer pelo futuro porque recebem diariamente de Deus incentivos e orientações, dentro da palavra. Portanto, podem ser solícitas e generosas ao doar. Quando alguém passa necessidade, seu coração se comove. Elas não inventam desculpas para não ajudar de formas efetivas e empenham-se genuinamente pelo bem-estar das outras. Evitam julgamentos, porque sabem que aquilo que possuem não é seu, mas dom de Deus. Portanto, repartem, dividem, apoiam e estimulam o desenvolvimento de outras pessoas.

5º Princípio: Contentamento e gratidão

“Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4.11-13).

O apego equivocado aos bens materiais pode levar muita gente ao desespero quando algum revés acontece na vida. E ninguém está imune a isso. Grandes empreendores na história humana amargaram grandes fracassos (antes e depois de triunfarem no que queriam!). E muitas destas narrativas de vida nos falam de recomeços. Se assim acontece no mundo natural, quanto mais para quem crê no Deus da provisão!

Uma maneira de evitar tal tipo de desespero é o cultivo de um coração grato. Saber viver cada fase da vida, saber agradecer pelo que foi obtido, alegrar-se pelo que possui, desejar crescimento de forma não obcecada… todas são posturas de contentamento. O apóstolo Paulo afirma que o contentamento é que lhe permitiu passar pelos bons e maus momentos com um espírito resiliente e renovado. A ingratidão gera amargor e a murmuração torna as dificuldades ainda mais danosas! Quem está contente encontra saídas alternativas. Quem desenvolve a gratidão consegue ver além do momento atual, recorda o passado como livramento e mantém viva a esperança no futuro.

6º Princípio: a bênção da mordomia

“Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus os criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja sobre a terra… lhes será para mantimento” (Gênesis 1.27-30).

“Considerai o vosso passado. Tendes semeado muito e recolhido pouco; comeis, mas não chega para fartar-vos; bebeis, mas não dá para saciar-vos; vestis-vos, mas ninguém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o para pô-lo num saquitel furado… Por quê? – diz o Senhor dos Exércitos; por causa da minha casa, que permanece em ruínas, ao passo que cada um de vós corre por causa de sua própria casa. Por isso, os céus sobre vós retêm o seu orvalho e a terra, os seus frutos” (Ageu 1.5-69b-10).

“Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; Foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mateus 25.21, 23).

“Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam… Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados ele o dá enquanto dormem” (Salmo 127.1a, 2)

Tocamos no ponto da mordomia no primeiro princípio, de que tudo é de Deus. Mas como uma percepção específica, a mordomia quer destacar a capacidade de administrar aquilo que está em nossa mão. Um mordomo é um funcionário que faz a casa inteira funcionar. Ele é alguém de confiança do dono da casa. Ele tem as chaves de todas as portas, controla os recursos, contrata pessoas, preserva o patrimônio. Portanto, ele precisa de um olhar apurado para saber onde investir, minimizar os desperdícios, potencializar os lucros… Você e eu, no exercício da mordomia, precisamos saber usar nossos bens de modo que engrandeça a Deus. Temos de ser administradores/as: reconhecemos que não somos os possuidores/as, mas usamos tudo o que temos para cuidar de modo a ampliar o alcance de cada um desses bens, inclusive o dinheiro, para a glória de Deus.

Ser mordomo e governanta de Deus é saber usar os bens que temos, de modo que guardemos provisão para a próxima geração, de modo que as nossas necessidades sejam adequadamente atendidas, de modo que as pessoas menos abastadas sejam supridas por nossa generosidade e de modo que o Evangelho possa alcançar a toda a terra.

John Wesley dizia que devíamos fazer algumas perguntas a nós mesmos/as quando fôssemos usar os recursos financeiros: 1. Ao gastar dinheiro estou agindo por mim mesmo ou estou agindo como um mordomo de Deus? 2. O que me ordenam as Escrituras ao gastar dinheiro dessa maneira? 3. Posso eu oferecer esta aquisição/compra como sacrifício para o Senhor? 4. Deus me recompensará por este gasto na ressurreição dos justos?

Um testemunho particular

Desde criança, meus pais me ensinaram a ofertar na igreja. Jamais poderia chegar ao templo sem minhas moedinhas para colocar no altar. Quando consegui meu primeiro emprego, eu me lembro claramente da excitação e do sentimento de realização de depositar meu primeiro envelope de dízimo no altar. Desde então, nunca entrou um salário na minha conta cujos 10% não fossem para o altar. Eu dizimo do lucro dos meus empreendimentos pessoais e de ofertas e presentes que recebo.

Nasci e cresci numa família pobre, mas generosa. Meu avô paterno nos legou esta herança de modo espetacular. Gostamos de investir em pessoas e causas e fazemos isso com frequência. Além das ofertas e dízimos na igreja, ajudamos das mais diversas formas, com serviço e com dinheiro. Acolhemos pessoas em nossas casas. Doamos bens, roupas, trabalho. E o fazemos com alegria, com a sensação de que estamos sendo instrumentos de Deus.

Mas já passamos momentos difíceis. Certa vez, durante meus estudos, precisei pedir um dinheiro ao meu pai. A primeira coisa que ele fez foi me perguntar: “Você está entregando o dízimo? Se não estiver, nem me peça dinheiro que não lhe darei”. Graças a Deus, eu pude responder: “Claro! Nunca deixaria de entregar o que é de Deus.”

Certa vez, ficamos sem recursos em casa. A igreja era pobre e não conseguiu pagar meu salário do mês. Eu pedi ajuda ao Senhor. Na mesma hora, alguém bateu na porta. Uma pessoa que eu não conhecia. Ela me disse que Deus lhe havia mandado me dar um dinheiro. Ao abrir o envelope, era justamente o valor do meu salário. Houve outras vezes em que esta provisão não veio, mas aquela experiência sempre me alimenta de esperança e fé. Do mesmo jeito, quero ajudar a quem necessita hoje, porque estou plantando uma semente de generosidade e compaixão da qual eu mesma, com certeza, comerei amanhã.

Eu acredito que o dízimo e as ofertas são sinal de minha dependência de Deus e de meu compromisso com seu Reino. Não os entrego porque espero ser abençoada. Entrego-os porque já fui. Muitas vezes. Mais e sempre. Entrego porque eu tenho um compromisso de sustentar a igreja do Senhor. Quero sempre estar entre as primeiras pessoas a entregar a oferta no altar e ensino minhas filhas a dizimar de tudo que recebem.

Dizimo e oferto porque é ordenança de Deus e da igreja. Porque os evangelhos atestam dos apóstolos e líderes recebendo esses valores. Porque eu mesma já fui abençoada por este dinheiro santo, antes mesmo de ser pastora e de viver do altar. A igreja nos ajudou em muitas horas difíceis como família. E ajudará no futuro novamente, se precisar, eu sei disso.

Dizimo e oferto porque jamais vou desafiar a igreja a uma coisa na qual eu não esteja comprometida em primeiro lugar. Porque quero ser o melhor modelo para o rebanho que eu puder ser. Porque para mim é algo muito importante, saudável e enriquecedor espiritualmente! Eu celebro poder participar de um projeto tão grande quanto o Reino de Deus. Isso preenche o meu ser de formas incompreensíveis! Participe comigo desta alegria. Descubra o dom da generosidade, a bênção de uma vida financeira saudável, a conquista de novos objetivos pessoais e comunitários e a tranquilidade e o contentamento de poder descansar no Senhor, quando tudo vai bem ou quando tudo vai mal.

Dízimo não é troca. É compromisso. Oferta não é barganha, é coração voluntário!

Bispa Hideide Brito Torres, 8ª Região Eclesiástica