O chamado de Josué se deu num contexto de amplos desafios. Uma liderança consolidada e forte, que atuara junto ao povo por 40 anos, com uma poderosa unção e direção de Deus, com inegável carisma e caráter, agora chegava ao fim. Também os tempos eram outros: se antes a liderança de Moisés se concentrara em manter o povo unido, forjar uma identidade nacional enquanto andavam ainda como errantes, agora Josué deveria “consolidar” esse povo, estabelecendo-o na terra, fazendo com que percebesse que agora deveria habitar um lugar. Isso significaria, ao longo do tempo, instituir leis e regulamentos, estabelecer divisões de terras e heranças, lutas com os povos ao redor para se firmar como nação num pequeno espaço territorial e outras demandas com as quais Moisés não se deparara em seu tempo.
Josué, de acordo com a narrativa, é agora um homem maduro. Desde a juventude ele estava entre os escolhidos de Moisés. Havia espiado a terra há muitos anos e acompanhara todo o processo que levou a uma longa jornada pelo deserto. Ele detinha muita prática de guerra, muitas características de uma liderança ativa em termos de liderar soldados. Agora, sua posição o levava a ser, além disso, o líder espiritual do povo. Devia não apenas cuidar das questões de organização na nova terra, mas zelar para que a herança de fé recebida de Moisés fosse fielmente transmitida, a qual estava contida no “livro desta lei” (Js 1.8) – que não nos é dado a conhecer, mas certamente é um conjunto de conhecimentos transmitidos cujo conteúdo encontramos hoje nas versões finalizadas do Pentateuco.
Nesses dias, enquanto processa-se, do mesmo modo, uma transição em nossa Oitava Região, sinto-me um pouco versão feminina de Josué. Diante da nova terra que está diante de mim, de um povo que vem trazendo suas experiências com Deus, suas histórias e narrativas e que aguarda algum tipo de comando, uma nova jornada se abre. É preciso que nos articulemos como Região autônoma. Que coloquemos nossos próprios alvos de crescimento – isso inclui não apenas o número de membros, mas ainda mais profundamente inclui sermos, de fato, metodistas, servos e servas do Deus altíssimo, a serviço do povo que carece tanto de pastoreio quanto de acolhida em suas condições mais diversas de necessidades. Que forjemos nosso jeito próprio de ser agora que estamos em uma nova fase da jornada. Todas essas necessidades estão aí postas, diante de nós. Quem disser que não é um desafio muito grande e não se sente ligeiramente em sobressalto, para dizer o mínimo, se encontra em equívoco de não ter compreendido que tudo o que Deus nos pede é sempre maior do que somos capazes de realizar.
Duas coisas, porém, o Senhor pediu de Josué e de nós, também hoje: esforço (força) e bom ânimo (coragem). Eu tendo a gostar mais desta tradução que solicita esforço e bom ânimo, porque ela apresenta uma perspectiva de uma atitude muito mais do que uma qualidade. Trata-se de uma disposição muito mais do que algo que nos seja natural. Posso dizer que alguém seja corajoso e parece mais próprio a essa pessoa. Mas o bom ânimo parece requer mais vontade.
Essas duas coisas – esforço e bom ânimo – podem ser nossa chave de leitura para uma questão que muito me chamou a atenção na leitura de nosso Plano Regional de Ação Missionária – PRAM, aprovado no Primeiro Concílio Ordinário da Oitava Região. Temos bastante clareza de nossos desafios: crescimento e consolidação. É preciso que a Região nascente cresça e isso significa que é preciso buscar maturidade frente aos desafios. O PRAM coloca, por exemplo, o discipulado e a Escola Dominical como esferas de ação que precisam ser aprimoradas, atualizadas ou, nos termos desta última, “redescobertas”. É significativo isso. Josué não precisava “inventar a roda”. Ele tinha a experiência junto a Moisés, ele tinha um grupo de apoio com ele, tinha “o livro desta lei” e a unção de Deus. O Senhor queria que ele colocasse seus dons próprios ao lado de toda essa bagagem e tivesse uma atitude de esforço, de dedicação e de continuidade. Afinal, bom ânimo é uma coisa que se requer quando muitos revezes podem apontar no horizonte. Sem esforço e bom ânimo, as barreiras ficam ainda mais intransponíveis. Os desafios se tornam insuperáveis. Os problemas se amontoam. Falta coragem para o confronto, questões complicadas escorregam subitamente para debaixo do tapete. Começa-se um processo de empurrar as dificuldades para tentar ganhar tempo. Gera-se desgaste e perda de fôlego.
Contudo, por ter empregado esforço e bom ânimo, o final do livro de Josué é alentador. Ele agora vê sua jornada tão completada quanto a de Moisés. Sua fase na história do povo estava chegando ao fim. Ele deixa a liderança não porque esteja envelhecido, mas porque, à semelhança de seu antecessor, tem consciência de que aquela era a parcela da tarefa que lhe cabia. Uma vez que o povo estava instalado e organizava suas aldeias, ele faz um novo apelo: “Escolham hoje a quem vocês vão servir. Eu e a minha casa serviremos ao Senhor”.
Anseio chegar ao final do meu ministério terreno tendo preparado outras pessoas para assumir o lugar que eu estiver ocupando. Não espero que pensem igual a mim ou que sigam as mesmas estratégias que eu, porque sei que a cada tempo histórico são requeridas habilidades que vão do deserto à terra prometida, do exílio ao retorno, de Jerusalém até aos confins da terra e isso é trabalho demais para uma pessoa só, de um jeito só. Anseio por redescobrir os valores eternos da Palavra de Deus e servir ao Senhor no meu tempo. E sonho, com todo o coração, que pessoas esforçadas e de bom ânimo caminhem comigo por essas trilhas.
Ademais, além de nossa própria dedicação, precisamos seguir à risca o que determina o “livro da lei”, agora mais do que nunca, ressignificado em Cristo Jesus, nosso Senhor, e à luz do amor com que amou a Igreja e a Si mesmo Se entregou por ela. E, por fim, que nosso trabalho seja feito com cuidado tal que, ao final dele, possamos olhar para trás e ver a promessa cumprida: “Então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido” (Js 1.8). Para mim, os termos dessa prosperidade e sucesso são claros: ser achada como uma serva boa e fiel, que foi fiel no pouco e por isso, Deus, e somente Ele, poderá colocar sobre o muito. Não podemos contar vantagem alguma sobre aquilo que nos é impossível de realizar. Somente podemos dar graças a Deus, reconhecer Sua misericórdia e pedir que nos ache, ao fim de tudo, com a nossa casa junto de nós, a Seu serviço no mundo. Que Deus nos encontre hoje nessa disposição e que Seu Espírito, em nós, faça o restante, realizando o improvável e nos levando a lugares onde jamais chegaríamos só por causa do nosso esforço e do ânimo bom.
Na graça, paz e misericórdia,
Bispa Hideide Brito Torres.