EDITORIAL

Comece pelo simples

O filisteu era um guerreiro experiente. Davi era um jovem pastor, com algumas experiências de manejo de gado miúdo e umas topadas com bichos selvagens. O filisteu era cheio de autoconfiança. Davi tinha fé em Deus. O gigante era ovacionado por seus compatriotas. Davi tinha o desprezo dos seus irmãos. O gigante era reconhecido. Davi não era ninguém. O gigante tinha histórias de vitórias em seu currículo. Davi… bem, era bonitinho.

Quiseram colocar Davi numa armadura que não lhe cabia. Quiseram fazer um treinamento intensivo de soldado para ele. Um dia, ele se tornaria habilidoso, cheio de expertises, acostumado à espada, ao escudo e à armadura. Mas, de início, se desequilibrava e não conseguia andar.

Muitas vezes, em nossa liderança, podemos nos sentir como Davi. Vivenciamos o contexto das igrejas midiáticas, que tão bem dominam os meios de comunicação. Seu alcance parece bem maior do que o que temos em nossas vizinhanças, nas cidades de interior, nas igrejas de bairro, nas missões fincadas nos rincões distantes. Nossos pastores e pastoras podem parecer não tão bem produzidos como as pessoas maquiadas em estúdios de TV. Nossos ministérios de louvor podem não possuir músicas nas paradas de sucesso. Há dificuldades com o som, nossa ação social é bem limitada e os recursos são parcos. As distâncias podem parecer intransponíveis.

Contudo, talvez seja verdade que, na hora de enfrentar os gigantes, esses exércitos gospel da atualidade fiquem a dever. Sofremos, juntamente com eles, acusações (verdadeiras e falsas, diga-se!) de comércio da fé, de falsos milagres e curas e de grande preocupação com o ganho financeiro. O gigante nos afronta todos os dias, perguntando onde está o nosso Deus. Com receio de tudo isso, novamente corremos o risco de seguir o conhecido e acabar com armaduras que não cabem em nossos corpos. Se olharmos bem, como Davi, temos matado ursos e leões em defesa das ovelhas do nosso rebanho. Isso deve nos encher de coragem para passos maiores, pois esses frutos sinalizam que Deus é conosco nesta caminhada.

Davi só pôde se tornar o rei que foi porque teve a coragem de expor-se diante do povo com o melhor que tinha. Quando começou, ainda não havia vencido seus dez milhares. Às vezes, estamos nos espelhando em pessoas ou lideranças que consideramos bem-sucedidas em seu lugar de hoje, porque estão sob holofotes. Não enxergamos a trajetória que percorreram. Não vislumbramos seus deslizes e equívocos. Ignoramos seus começos pequenos. Por causa disso, podemos começar a usar armaduras que não nos servem quando Deus está nos preparando para assumir nosso próprio lugar, o que Ele tem para nós, no qual frutificamos hoje e frutificaremos cada vez mais no futuro.

Recentemente, ao dialogar com uma de nossas lideranças regionais na Oitava, discutimos o fato de que estamos nos encaminhando, no processo do discipulado, para a percepção da necessidade de um modelo autônomo para nossa igreja. Tem sido fundamental sair do ostracismo em que estivemos por um tempo neste aspecto em particular, buscando uma vivência mais relacional com diversos outros segmentos cristãos que têm avançado nessa temática, inclusive redescobrindo nossa própria herança wesleyana! Mas quanto mais estudamos, conhecemos e dialogamos, mais conseguimos ver com clareza nossas necessidades e potenciais particulares. Aquele líder compartilhou comigo que essa tem sido uma visão da Câmara Regional face aos anseios e à prática já consistente de muitas igrejas e lideranças. Glória a Deus! Creio que este é o caminho – e o melhor é ver que se trata de uma construção participativa, pois as câmaras regionais de discipulado têm exercido contribuições conjuntas, que beneficiam a todas as regiões eclesiásticas no Brasil.

Quando falo de usar armaduras que não nos servem, me refiro ainda ao fato de que existem lideranças que não levam em conta este valioso trabalho e, por isso, ainda caminham de modo isolado ou não participativo. Para tornar a situação mais complexa, buscam referências que se distanciam de nosso modo de ser igreja, justamente por essa falta de diálogo interno. Isso pode levar a distorções no corpo metodista, algumas das quais são sentidas de modo efetivo quando existe a necessidade de uma mudança pastoral, por exemplo, podendo gerar retrocessos e divisões danosas. Este é um ponto a considerar na busca de nossa unidade como um exército de Deus desafiado por gigantes filisteus e suas demandas humanamente intransponíveis.

Mas não se trata apenas das temáticas de discipulado. A igreja é bem ampla em suas dinâmicas. Hoje, há modelos de igrejas que não nos servem – algumas que não demandam a vivência comunitária, por exemplo. O distanciamento entre a pregação e a vivência é outro problema grave na igreja cristã contemporânea e nos afeta. O caráter do cristão, sua relevância pública, seu testemunho efetivo têm perdido eficácia. A secularização nos afeta. É por isso que o gigante afronta dia a dia e o exército de Deus, assim como foi o povo de Israel no passado, pode não conseguir pegar em armas espirituais que o vençam definitivamente.

Davi, quando começou, tinha apenas uma funda e cinco pedras de rio. Mas depois daquele dia, ele andou com muita gente que lhe ensinou preciosas lições. Ele organizou seu exército, venceu seus adversários e fez um nome inesquecível na história humana. Porém, quando ele tinha apenas cinco pedras e uma funda, ele tinha um caráter em Deus e por isso podia ir “em nome do Senhor dos exércitos”. Eu creio que Deus tem um momento e um chamado para cada metodista em particular e para nós, como Igreja, em geral. Estivemos atendendo a este chamado ao longo de nossa história. Hoje, é a nossa geração que recebe o desafio de encontrar nossa forma de ser de ser hoje, num mundo em transformação.

Cabem algumas perguntas: antes de nos apressar em vestir as armaduras que temos visto (modelos de atuação pastoral, performances de pastores e pastoras midiáticos, projetos de liderança autocentrados, crescimento a qualquer custo, lideranças que se tornam arrogantes e incapazes, contudo, de vencer os gigantes), será que temos procurado encontrar nosso lugar em Deus? Antes de pensar na estratégia contra o gigante, temos confiado que estamos indo “em nome do Senhor dos exércitos”? Temos disposição para atender às demandas desse tempo e nos mover em relação ao novo? Ou nos comportamos como aquele exército, de modo inerte diante das novas demandas? Podemos ser como Davi e nos indignar com a afronta do gigante ao povo de Deus?

Os gigantes nos desafiam como Igreja hoje – entre eles, estão a miséria, a fome, a injustiça, o pecado, o desamparo social, a maldade, as ações do maligno neste mundo tenebroso. É preciso começar com um caráter santo, o qual pode nos levar à aprovação do alto. É preciso, com coragem e ousadia, escolher as melhores armas a cada embate, como Davi fez. É preciso crescer a ponto de tornar-se um valente, uma valente. É preciso abandonar a ineficiência da aparência do exército que não luta e assumir posturas libertadoras. Mas, se não podemos fazer tudo isso ainda, comecemos pelo simples. Só podem vencer as pessoas que enfrentam as lutas. Já temos experimentado desta graça de Deus em nossa vida. Sigamos firmes, adiante, como Davi, que começou com cinco pedras e uma funda e terminou deixando toda a provisão para a geração seguinte erguer um templo em glória do Senhor.