Discipulado

O discipulado em grupos pequenos ou células – uma mudança de paradigma

(Atos 10.9-16)

Quando João Wesley foi apresentado pela primeira vez à ideia de pregar em praça pública, fora dos templos anglicanos, ele sentiu-se perturbado e cheio de questionamentos. Quando conheceu o modo de louvar mais expansivo dos morávios ou se deparou com pessoas que tinham experiências mais sobrenaturais com o Espírito Santo, isso incomodou seu jeito tradicional de ver a vida e a missão da Igreja. Assim  foi com os nomes do Antigo Testamento, com os discípulos no Novo e com muita gente na história da Igreja. Não é diferente conosco. Ao receber uma nova percepção ou “visão” da parte de Deus, podemos reagir com preconceito, indiferença, rejeição. Pode ser que leve algum tempo até que possamos receber essa orientação, na certeza interior de que ela é a realização da vontade de Deus.

A escolha é sempre nossa. E a partir dela, teremos ou não êxito. Se Pedro, coluna apostólica da Igreja de Jerusalém, não aderisse à visão de Deus acerca dos gentios, por escolha pessoal, ele não teria recebido a unção para a realização de um ministério tão profícuo e multiplicador, primeiramente entre judeus e depois para se tornar referência para o povo cristão em todo o mundo e ao longo da história. Isso também com Saulo, nosso conhecido apóstolo Paulo.

Quero usar sem medo ou sem distorções a palavra “visão” aqui. Além do aspecto sobrenatural e espiritual que esta palavra tem na Bíblia, ela também me inspira por uma perspectiva de totalidade. A visão bíblica é sempre uma coisa já completa e acabada de modo bem sucedido no coração de Deus, seu plano perfeito, que Ele nos mostra de modo particular em nosso ministério para que possamos cooperar com Ele de maneiras que Lhe agradam. Por isso, “visão” é uma palavra poderosa, que nos lembra que o mérito não é nosso, pois o que fazemos foi recebido de Deus por nós como no passado o foi por outros homens e mulheres.

Tenho aprendido e ensinado que a “visão do discipulado”, utilizando os grupos pequenos ou células, na verdade não se trata de conhecer, copiar ou reproduzir métodos. Os métodos apenas dizem respeito às estratégias usadas para tornar possível a realização da visão que Deus nos dá. Que na verdade, pode representar uma novidade em relação ao que vivemos hoje, mas não em relação à igreja primitiva, à Bíblia ou à história da Igreja.

Quando nos atemos aos métodos, sem compreender essa “visão” (a dimensão da totalidade da tarefa e não apenas nossa parte específica nela), não nos tornaremos capazes de cumprir a vontade de Deus. Nesse sentido bíblico-teológico, a visão está relacionada diretamente com a unção recebida de Deus para a realização da sua vontade que foi revelada e compreendida. Pedro teve de mudar seus paradigmas religiosos, sua percepção de Deus e da conversão das pessoas, para ser capaz de levar a salvação para todos e todas que a aceitassem.

Assim, a visão que nos é dada nasce primeiro em nosso coração, como um forte impulso de obediência, para somente depois ser pensada em termos de métodos. É assim que o apóstolo Paulo justifica a Agripa tudo o que faz para proclamar o Evangelho: não poderia ser desobediente à visão celestial. Quando Deus gera essa visão em seu coração, há uma transformação radical em sua vida e ministério. Quero reforçar isso em termos de valores e princípios, nos seguintes termos: se a visão for gerada, você se responsabiliza não só com a aplicação dos métodos (que é algo importante), mas, essencialmente, com os princípios da visão de Deus: pessoas salvas, de caráter novo, salvando pessoas, perdidas nas trevas deste mundo, propondo mudança de estruturas de perversidade, transformação do ser, das famílias e das relações humanas.

Nesse sentido, se não há “visão”, essa impressão profunda no coração, vinda da parte de Deus e compartilhada na comunidade de fé, ou se ela for emprestada (como quando adotamos modismos religiosos por receio de ficar para trás ou por imposição do momento), arranjada (com o fim de apontar nossas competências ou responder a demandas rapidamente), com o tempo, você desiste, se cansa.

Quer uma diferença básica? As pessoas que apenas aderem a uma visão ou comando, entram no método de frequentarem células ou montar treinamentos. Aquelas nos quais a visão entra no coração são revestidas da unção de Deus para amar o mundo perdido e ir ao encontro dele. Isso se revelará em ministérios mais dinâmicos, em abertura para mudança, em constante aprendizado e um coração servo e alegre, coisa de vida inteira e de vida toda. O método será apenas o encaminhamento, porém o fundamental você já terá: a unção.

Entendo que Deus teve de confrontar a Pedro, para que ele entendesse isso. Ele teria de mudar seus sistemas de valores, para que seu coração pudesse cumprir a visão de Deus de amar a todas as pessoas, indo ao encontro delas com a pregação do Evangelho. A Igreja Metodista no Brasil percebeu que mudou de paradigma. Mesmo adotando sua fala acerca de dons e ministérios, muitas vezes o que experimentamos ainda é a busca por cargos, funções, posições de poder. Percebemos que em muitos aspectos ainda falta humildade para aprender, lealdade nos relacionamentos, clareza do propósito salvífico e muito desejo de automanutenção. Isso acontece entre a membresia e entre o corpo pastoral. É do ser humano. Por isso, precisa ser mudado. De algum modo, o discipulado – um estilo de vida no qual pessoas maduras espiritualmente levam outras pessoas a uma experiência com Cristo – é um novo/permanente paradigma para nós. A metodologia dos grupos pequenos, usada na Bíblia e por Wesley, favorece o espírito comunitário, a vivência da igreja como corpo e permite a intimidade que leva ao genuíno relacionamento com as pessoas e a possibilidade de abrir o coração para receber cura, apoio, ajuda, tratamento espiritual e, acima de tudo, amor e serviço.

Por isso, creio que podemos ir além dos estereótipos e das frases feitas nesta jornada, de modo a que possamos, juntos e juntas, desempenhar bem o ministério a nós confiado.

Bispa Hideíde Brito Torres